A hierarquia, a propriedade privada, a economia, a política
são formas de garantir poder ao indivíduo. É da natureza humana, principalmente
agora nesses tempos capitalistas e globalizados, o desejo de possuir: objetos,
relações, sentimentos, forças das mais diversas definições. A antropologia nos
mostra como, nas mais diversas situações de aglomeração de pessoas, a vontade
inerente ao homem de possuir sentidos é forte e como esta é força motriz para o
funcionamento das comunidades. O ser é característico, e o ser humano tem a
consciência do valor social que as características possuem. Vale lembrar que a
consciência valorativa é mutável, portanto, cada época da história e
pré-história humana possui todo um pacote de sentidos sociais que devem ser
levados em consideração para a boa compreensão da função que as instituições
sociais exercem no período dado. E tendo essa consciência do valor possuído
pelas características, a pessoa sente a necessidade de possuir o conjunto de
características mais bem-vistas ou mais consideradas em seu meio. É demandado
do comerciante um nível de administração suficiente para gerir seu negócio, do
chefe do morro é esperada certa lealdade e colhões para manter seu domínio na
favela. E estes profissionais têm a vocação e o incentivo para alcançar as
características que são atribuídas aos seus respectivos ofícios: ao militante,
lealdade à causa, ao comerciante, a administração, ao médico, a habilidade de
tratamento de enfermidades. Os exemplos se estendem a imaginação.
O ser humano também possui outra habilidade que os
estudiosos e entusiastas das ciências biológicas gostam de chamar de instinto
de autopreservação. E para se auto preservar o homem primitivo e seus
familiares se juntaram a outro homem primitivo e seus familiares e assim por
diante, dando início ao homem tribal. E para evitar crítica de Alda Judith
Alves à desnecessária análise arqueológica, digo que esse instinto levou a
sociedade a essa série de relações e ações que fazem a coisa social acontecer.
Para viver, o ser humano precisa do outro. Até pelo fato do ser humano ser o
animal que mais causa a morte do ser humano. É preciso ter garantias que uma
pessoa não mate a outra. É preciso que algo faça o homem ver que, apesar de um
indivíduo ser capaz de se proteger e prover quase todas as suas necessidades
sozinho, em grupo é mais vantajoso.
O cristianismo, assim como outras religiões, viu essa
situação explicitada acima como sagrada. Vou tratar especificamente do
cristianismo por esse texto ser, de fato, uma análise da situação da Igreja
cristã. A propósito, Deus Le Volt!
(algo como “Deus quis assim”), é parte do discurso que iniciou as Cruzadas, uma
das maiores atrocidades humanas que se tem notícia. Voltando ao raciocínio, o
cristianismo elevou ao sagrado a vocação, a necessidade interna, do agrupamento
entre homens. Como esse agrupamento se dá? Isso depende dos valores regionais e
típicos da época em que estes acontecem. Os Dez Mandamentos são um exemplo
escrachado desse upgrade dado às leis
de convivência pré-estabelecidas que garantem o bom funcionamento da vida em
comunidade. Eles são leis de convivência social baseadas no amor incondicional
de uma pessoa à outra.
A cultura tem como pilar essencial a educação. Sem ela, cultura
não seria o que é por definição. O aprendizado das leis de Cristo, em sua época
feito através de parlatórios e oratórias, com o tempo se tornou impraticável. O
crescimento do rebanho de Deus demandou espaços específicos para o culto. A
partir daí o conceito de Igreja, dado na Bíblia mais ou menos como “onde dois
ou mais se encontram em Meu (Jesus e/ou Deus e/ou Espírito Santo) nome”, se
confundiu com uma definição de lugar onde os rituais cristãos são realizados.
Não questiono aqui a necessidade de espaços capazes de abrigar todos os crentes
de maneira que estes possam praticar sua crença do jeito que a tradição manda.
O que questiono é essa distorção causada pelo raciocínio causal desprovido de
embasamento de saberes da doutrina cristã. A Igreja foi, com o tempo, tomando
características não advindas das Escrituras, se tornando uma instituição cada
vez mais política e burocratizada, como é visto na história entre a criação da
Igreja Católica até os dias atuais.
Ninguém é perfeito nesse mundo. Todos nós temos ideais de
conduta, mas somos tanta coisa ao mesmo tempo – marxista, empreiteiro,
namorado, filho, mexicano, vogal – que acabamos de um modo ou de outro, saindo
à regra do padrão idealizado do que somos em determinado momento. Acabamos por
confundir coisas que somos com lugares em que deveríamos ser outras coisas.
Futebol é bastante similar à guerra, entretanto, não é aceitável jogadores
usando de violência ganhar a partida. Já na guerra, o soldado é obrigado e
incentivado a ser violento contra o inimigo. Habilidade é bônus aqui. O
objetivo é matar muito e matar rápido. No futebol, é golear.
Devido a cargos que ocupei ao longo da minha vida, vi a
semelhança que a Igreja, lugar onde os rituais cristãos são realizados, possui
com a instituição de cunho político. Assim, como um Tribunal, a Igreja possui
hierarquias e departamentos com tarefas definidas, devidamente planejadas e que
seguem um plano político estabelecido pelo órgão superior. Assim como no
Senado, existem forças políticas na Igreja que brigam entre si pelo monopólio
do uso do poder atribuído aos cargos ou postos. O Pastor, o Presidente da
comunidade, o Líder da Banda são figuras com diferentes alcances políticos, mas
todos estes têm duas características em comum: poder e status. São status diferentes
em níveis e poderes distintos em significados e níveis, mas todos possuem tais
características, que trabalham em seus determinados espaços de atuação,
partilhando de um mesmo propósito: guiar a comunidade aos moldes da doutrina
cristã.
Agora, mais do nunca nesse texto, irei me atribuir do texto
Política Como Vocação, de Max Weber, para explicar o erro que é a mistura de
Comunhão em Cristo e política. A política é esse jogo de poder entre as pessoas
políticas. Poder é algo bastante significativo e desejado pela sociedade,
portanto, relembrando a necessidade humana de se colecionar características
bem-valorizadas aos determinados papeis sociais exercidos por cada membro da
coisa social, é esperado que as pessoas almejem poder. E, visto a similaridade entre Igreja e
instituição política, as chances da aplicabilidade do raciocínio político na
Casa de Deus são altas. Altíssimas, se José Dias me permite o uso de superlativo! E é isso que
vemos atualmente. As padarias e mercados são e sempre serão lucro certo, mas se
eles estão falindo e dando lugar a igrejas, é porque esse “negócio” é bastante
rentável também. Podemos ver nos meios de comunicação a dimensão que a
instituição cristã tomou. Camisas, bíblias, adesivos, e os mais diversos e
inusitados produtos são comercializados com o pretexto de pregação da Palavra.
Hoje não podemos mais desligar o político do econômico um do outro, como não
podemos desligar nível financeiro e nível educacional, por exemplo. Essas
variáveis são causais entre si e devem ser analisadas em conjunto. A Igreja a
muito deixou de ser um lugar onde praticam rituais cristãos. Hoje, a Igreja é
uma empresa. Ela pode falir, pode abrir uma nova filial no Brasil, gera lucro e
prejuízo além do âmbito político-econômico. E, além disso tudo, é um lugar onde
são praticados rituais cristãos. Aqueles que buscam o caminho de Deus ou se
perdem no jogo de poder valendo os meios e status necessários para fazer Sua
vontade, ou abandonam a Igreja, enojados com o rumo que toda a instituição
tomou.
Não julgo aqueles que são políticos dentro da Igreja, mas
sim lhes advirto: vossos motivos não são cristãos. A política e o Cristianismo
querem coisas diferentes: um, deseja o máximo de poder possível, o status mais
importante, tem em seu espírito a ambição de possuir força capaz de fazer o que
lhe for possível fazer, como achar devido; outro deseja apenas servir ao Senhor
e, por mais que lhe sejam atribuídos as mais diversas importâncias, não se
interessa por elas, sendo somente sua preocupação estar dentro dos ensinamentos
do Filho do Homem. Mas sem extremismos. É possível achar equilíbrio entre essas
potências intrínsecas ao homem religioso. Não vejo exemplo melhor que a
existência dos cargos de Pastor e Presidente da Comunidade vista na Igreja
Luterana. Ao Pastor cabe direcionar seu rebanho de acordo com a vontade de
Deus. Cabe a ele, sendo autoridade nos ensinamentos cristãos dentro de
determinada comunidade, ensinar como se devem trabalhar
os diversos âmbitos da interação social dentro dos limites do Cristianismo. Já
ao Presidente, cabe administrar a comunidade. Viabilizar de modos juridicamente
e economicamente legais as práticas cristãs. Termino o texto como comecei este
último parágrafo: Não julgo aqueles que são políticos dentro da Igreja, mas
lhes advirto: vossos motivos não são cristãos. A reflexão e a oração são
ferramentas poderosíssimas para a resolução de problemas de conduta moral. Cabe
ao indivíduo político e religioso usa-las para que se descubra sua verdadeira
vocação.
Precisava tirar a indignação da cabeça.