domingo, 19 de abril de 2015
Quantos caras por dia dizem que te amam??
Era noite de sexta-feira e por algum motivo saí mais cedo do serviço. Ao sair do prédio do lugar onde trabalho, encontrei Aline. Ela é linda. Cabelos coloridos -- ainda que neste dia eles estivessem completamente castanhos -- e um rosto de francesa, ombros tímidos e um estilo otaku 2006 bem light. Me cumprimentou e perguntou de onde eu vinha. Eu não sei de onde ela veio. E depois de uma conversa trivial perguntei se ela me acompanharia numa caminhada até a parada de ônibus. Ela fez referência a um episódio do Friends e eu entendi. Embora agora eu tenha percebido que não exista nenhum episódio de Friends baseado na situação que aconteceu naquele momento.
Ao descer o trecho que passava por trás do Olimpo e no meio do bosque, conversávamos abobrinhas e irrelevâncias nerds tão simplórias e descartáveis que acabei esquecendo. Mas lembro que rimos muito delas. Chegando perto da faixa de pedestre, eu senti felicidade e gratidão traduzidas em contato físico -- Ela me beijou no braço. Eu nem cheguei a ver isso acontecer, nem previ. Imagino que ela tenha olhado para mim enquanto abria o sorriso grande e apaixonante que (por incrível que pareça) só ela tem e pensou um "por que não?" antes de me beijar. Depois do êxtase, a olhei e perguntei um estarrecido e desajeitado "você me beijou? No braço??" e ela concordou sorrindo. E eu sorri também. Um sorriso muito bonito e sincero que já me foi dito que possuo, por sinal. Num ato desesperado mas cheio de confiança e paz decidi pegar na mão de Aline ao chegar na parada. Ela se envergonhou feito garota principal de mangá shonen quando o garoto principal toma iniciativa. Eu pedi desculpas, mas ela negou, pegando na minha mão e dizendo que eu só tinha feito isso de forma errada. Percebi que estávamos do lado errado do universo e que eu deveria era estar do outro lado da rua para pegar meu ônibus. Atravessamos a faixa de pedestres de mãos dadas.
Coisas nerds foram ditas, sorrisos dados e a percepção de que meu ônibus iria atrasar era a cada instante mais condizente com a realidade. Lembro que em um momento nos deitamos, ela usando meu ombro de travesseiro, de costas para a parada e para a pista. Pontuei que daquele jeito não poderíamos ver meu ônibus chegando. Ninguém realmente ligou porque ela teria que esperar a irmã até mais tarde e eu estava tendo o momento mais feliz do triênio.
Enquanto estávamos deitados alguém me chamou de safado e jogou um casaco em mim. Era meu grande amigo Porcão. Corri atrás dele com o casaco que foi jogado em mim, desci uma porrada nele e após abraços e sorriso fraternos, voltei para Aline.
Quanto mais o tempo vai passando mais as memórias vão se perdendo, mais vão se esvaindo para que lembranças mais relevantes possam ser armazenadas. O ônibus já estava demorando demais e fomos junto aos emos e skatistas buscar informações. Aline fez um baita sucesso com sua bucha que parecia um cavanhaque robusto. Após conversamos sobre sua vontade de tomar LSD e meu medo de tomar LSD devido minha facilidade a desenvolver bad trips, nos afastamos dos emos e skatistas para ficarmos só nós, no meio do campo aberto, ao lado de um prédio histórico e uma pista interiorana no meio da capital do Brasil.
Acordo na cama, atordoado e começo a perceber que tudo isso, até o beijo no braço, foi um sonho. Até o beijo no braço. Nada aconteceu. Até o beijo no braço. Vou chegar na quinta-feira para encontrar Aline e não trocaremos olhares que querem dizer "eu ainda lembro do que aconteceu entre a gente na sexta-feira passada". Estarei num canto sendo irônico e reflexivo enquanto ela estará numa roda de conversa ao lado do cara que quer muito ficar com ela. Você se pergunta porquê eu não chego lá também e dou uma de "cara que quer muito ficar com ela" e eu respondo: ela demostra estar muito afim de ficar com ele. Mais do que demonstra estar afim de ficar comigo.
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