domingo, 26 de setembro de 2021

Aceitação




 Tenho subido cada vez mais alto nesta montanha. O sucesso. O topo, o pico. Me tornei mestre do meu domínio e nada mais me fere. Não existe acaso que me abale, não existe golpe que me machuque. Aqui no topo da montanha, além do horizonte, não existe nada! Aqui no topo não existe resquício de história, nem natureza que não esteja morta. Não existe companhia. Tudo que existe aqui sou eu, e vivendo no momento plenamente, percebo que minhas únicas opções são ou me bastar ou desistir de tudo e descer. Voltar. Mas assim como Zaratustra se tornou incapaz de ressuscitar  Deus em seu coração, me é impossível descer da montanha.


Mas infelizmente, não me basto para ficar aqui, somente eu a montanha e o horizonte. Preciso descer, o que quero está lá embaixo, mas não posso mais ir lá buscar. Impossibilitado de voltar, impossibilitado de ficar. Neste momento me vem a própria e pura angústia. Dor de existir. O desespero de Johannes Climacus ao dançar com alguém que não fosse a morte. Johannes Climacus. Se a religião nada mais é do que um salto de fé, tiro a prova aqui mesmo e pulo na certeza de que encontrarei o que me ligará de novo com tudo e todos que deixei lá embaixo. Traindo o desejo de quem me amou mais que tudo no intuito de me salvar, percebo a perspectiva da linha do horizonte, antes tão baixa, caindo gradativamente, eu na altura do Sol, o vento cada vez mais forte, e toda a sensação de liberdade e excitação pela adrenalina... simplesmente não existe. Antes, somente eu a montanha e o horizonte. Agora, eu a queda e o vento. Já não correspondo como deveria as coisas que acontecem ao meu redor ou até mesmo comigo. E na corrida de subir a montanha, precisei pular do precipício para entender que eu sou a montanha agora. E agora só me resta viver neste momento, igual vivi lá em cima. Se eu tivesse pensado melhor, teria pulado de paraquedas para deixar uma mensagem lá em cima depois, não quero que outra pessoa precise mergulhar lá de cima pra entender que não existe escolha uma vez que você entende que você só pode se bastar para viver. Teria sido bom ter entendido isso antes, pois agora não tem mais jeito. Não que seja algo ruim ou bom, mas nada vai mudar. É só isso. Toda a nossa experiência é só isso, e na ignorância do pouco que vivi, sinto que já vi o que o mundo é e o que ele tem pra mim. Mesmo tudo mudando tão de repente aqui embaixo, aceito a condição e vivo cada segundo como se fossem uma vida em si até que o horizonte se torna sombra , minha chegada trovão, e finalmente do topo chego até o chão.


---

Tenho um pedido: estou coletando feedbacks sobre os meus textos. Então se você se sente confortável em dizer o que sentiu deste ou dos outros escritos, por favor, comente!

Muito obrigado.