sexta-feira, 20 de outubro de 2023

TODOS OS MEUS SONHOS #1





 Você construirá seus sonhos somente para vê-los destruídos por outro alguém.


Estantes sempre estiveram presentes na minha vida e sempre as olhei com admiração. A primeira foi a da minha própria casa, lembro dos Doze Contos Peregrinos do Gabo, os livros da faculdade da minha mãe, os chatos e os maneiros que tenho até hoje: Platão, Tomás de Aquino, Adam Smith e Kant -- o melhor deles. Nessa estante, que englobava a também um espaço pra fotos, taças, a TV de tubo 29", o estéreo e algumas gavetas, podia me entreter de alguma forma nos saudosos anos em que crianças pobres não sabiam direito o que era internet. Eu sinto falta dessas estantes sabe, elas escondem tesouros. Os hacks hoje em dia são tão broxantes, né? Fico bolado de que com muita dificuldade um neto será capaz de roubar Gabriela, Cravo e Canela da casa da vó. Só pra descobrir que na verdade ele foi roubado de uma faculdade de prestígio da cidade.


Outras estantes que sempre mearcaram muito foram as das bibliotecas. Aproveitei o suficiente delas, eu acho. Mas queria ter aproveitado mais. Principalmente a da última escola particular em que estudei, a biblioteca era tão grande e clara. Gostaria de ter lido mais livros infanto-juvenis de amor. A biblioteca pública que eu frequentava também me apresentou vários outores como Montesquieu, Hemingway, e o melhor de todos: Jorge Amado, que despretensiosamente em seus livros se utilizou da ficção científica pra transportar o leitor ao passado.


Por muitos anos nunca aspirei em ter minha própria estante. Duas prateleiras, talvez. Sempre sonhei raso. Raso e covardemente. Mas enfim tive uma. Uma grande, recheada de livros, gibis e mangás (meus favoritos). Também meus CDs. A minha estante reunia tudo que era de mais sagrado pra mim. E vi toda a sua grandeza cair com o próprio peso de seu corpo. Me reorganizei e adaptei. A minha estante reune tudo que é de mais precioso pra mim. Meus mangás, meus fones clássicos, meus iPods da adolescência. Presentes queridos de alunos, familiares e amigos, relíquias de artistas que admiro.


Mas assim como você, eu construí meu sonho somente para vê-lo destruído por outro alguém. Me admira a facilidade em que tudo pode mudar. A morte é inexorável mesmo, né? Mas a gente trabalha com o que tem e se o que tá tendo é morte e destruição é com isso que iremos lidar. Reorganizar e adaptar. Estilo Nara. Não existe raiva, muito menos retaliação. Somente a claridade do que há e é. Sem ruído, sem noções de justiça que só fazem sentido na minha cabeça. É tempo de reconstrução pois Deus em Seu resplendor e glória já me reserva o próximo anaquilador de sonhos. A próxima será ainda maior, ainda melhor e mais cheia. E serei o vigia de sua opulência até que enfim possa testemunhar sua ruína.

domingo, 3 de setembro de 2023

Como me sinto sobre você - Parte 4:


O problema do coração partido é que ele continua se quebrando. Essa frase na verdade é de um texto sobre doenças cardiovasculares, mas como li a frase num papel com o seu nome, eu levei pro pessoal. Na ruptura no mundo você sabe bem que ousei te perguntar se poderia te mandar mensagem antes de dizer aquele 'até logo' com retrogosto de adeus. O que você não sabe foi o que eu escondi atrás daquele "mais pra frente". Como ainda estava viciado em esconder coisas de você, não pude resistir à ideia de esconder mais uma intenção minha: A de um dia de fato te procurar, mas um novo eu, melhor do que o se despedia de você naquele momento, talvez o mesmo eu de sempre, mas de antes da ruptura começar. E mais uma vez e de novo, me joguei no mundo, carregando nada além de uma mochila nas costas e uma esperança no peito. Nada mais perigoso que um homem completamente iludido de que está fazendo o seu melhor, não é mesmo? Embriagado deste sentimento conheci novas pessoas, cortei meu cabelo, me abri à novas experiências, realidades, atividades. E nesse processo reconheço que, ainda que nada excepcional, me tornei alguém ligeiramente mais interessante do que eu era.

Mas a ciência fala mais alto: O problema do coração partido é que ele continua se quebrando. E comigo não foi diferente. Eu conheci novas pessoas e você não estava lá pra comentar comigo. Cortei meu cabelo e eu tenho quase certeza que você nunca viu. E mesmo tendo aproveitado ao máximo todas as novas experiências e realidades e atividades eu ainda trocaria tudo pela pizza de 10 reais que a gente comia toda quinta depois do trabalho. Dizem que a prática leva à perfeição, né? Eu sei que sim porque nada era mais perfeito do que o hábito de falar com você todo dia.

Dizem que aceitar é o primeiro passo para a mudança. As melhores páginas sobre relacionamentos no Instagram me dizem "você tem medo de abrir mão do que sente pois isto é tudo que te restou!" Pô, é uma frase INTERESSANTÍSSIMA pra quem ela de fato faz sentido. A questão é que há anos aceitei que você não volta mais, eu alcançando o meu próprio Übersmansch ou não. E abrir mão do que sinto por você eu abro todo dia, o problema é que não tem nada melhor pra eu pegar. E ao invés de medo o que sinto é um leve desespero por você não ter saído da minha cabeça ainda. Então resolvi colocar o que sinto no bolso e simplesmente seguir minha vida. Eventualmente isso vai ter que passar, como tudo passa. Você passando por aqui ou não. E um dia eu vou esquecer como eu me sinto sobre você igual já esqueci de todas as outras formas que já me senti sobre você um dia. Um dia esse dia chega. Nem que eu tenha que morrer pra isso.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Eu Poderia Ter Te Amado

             




            Era o último dia do mundo, assim como havia sido o dia anterior. E como no dia anterior, não acredito que tenha feito nada além do que podia: trabalhei o que pude trabalhar, dormi o que pude dormir e comi o que pude comer, mas não consegui jogar o que pude jogar. Afinal, você havia chegado.

            E o lance sobre você é que você foi feita por Deus para mim. Disso tenho certeza absoluta. Afinal, tenho uma treta rolando com Deus há muitos e muitos anos, a qual ele joga um monte de merda na minha vida enquanto tento não dar pra ele o gostinho de que perdi. É um balanço muito complexo, pois ele também não pode ir além. Estamos falando de um ser onipotente aqui. Ele precisa manter um fino e equilibrado balanço de poder entre sua potência destrutiva total e meu livre-arbítrio. Mas falávamos de você.

            Começando com o óbvio, ou seja, o físico, você reúne vários gostos meus. É morena, gorda, tatuada (adoro gibi), metaller, tem um gol -- carro de mulher gostosa -- e nunca lava ele. E com o tempo só pude me encantar ainda mais com as suas atitudes: cuida bem da avó, curte bichos na pegada de querer resgatar todos na rua, trata bem motoboy e ainda por cima você namora esquisitos.

            Então por quê não eu?

            Lembro como se pudesse ver na rua ainda o dia que ele chegou. Muito burro, não soube achar a sua casa, então você teve que sair 22h da noite pela vizinhança pra achá-lo, de moletom e roupa rasgada, parecendo um imbecil. Sua avó já havia ido dormir, religiosamente no mesmo horário, e rapidamente pude perceber o que aconteceria. Não julgo, pois eu na sua condição teria feito o mesmo. E na minha situação estava fazendo muito pior.

            Mas eu parei. E você não. Como me foi dolorido ver tão de perto o nascimento de tudo isso, as risadas, os fins de semana que logo viraram o dia-a-dia... Logo eu, um eterno advogado do amor, tão desgostoso pela felicidade alheia. Às vezes gosto de pensar que Machado de Assis me entenderia, mas no fim das contas, sei que o único que corresponde ao meu amargor é Bentinho. Aquele filho da puta.

            Um dia o ouvi te xingar. Coisa baixa mesmo. Um tipo de homem assim não merece nem a mãe. E vocês unidos pelo amor maior. O único que supera a própria morte. Bom, não demorou muito para que vocês se separassem, você à enfrentar todo o estigma da jovem inconsequente que escolheu errado. Ele, francamente, nós sabemos. Escondendo tudo direitinho logo logo estaria por cima, como um dia já esteve ao seu lado. Se nem no fim do mundo o mundo acabou, imagina sua desgraça.

        Deus sabe que eu poderia ter te amado. E ter-lhe dado todas as músicas e ensaios, pinturas e poemas que me restam. Ter te ouvido sempre que quisesse falar, te falar sempre que quisesse me ouvir; partilhar contigo todos os desafios, celebrando as suas vitórias e na mesma medida me compadecendo nas suas derrotas. Dando colo sempre que necessário. Te levantando sempre que preciso. É uma pena.

domingo, 25 de setembro de 2022

E Se A Borboleta...


           


            É da condição humana criar uma linha lógica de raciocínio para dar razão à qualquer coisa que nos aconteça. Tá tudo uma merda um mês antes do seu aniversário? Inferno astral. Tá tudo uma bosta no trabalho? Foi aquele café que eu não tomei...

            E como você explica as coisas que não são resultado de uma correlação direta? O vizinho bosta que te enche por nada. O cara que resolve ser um babaca com você no trânsito porquê sim. E as situações em que você faz tudo de certo e mesmo assim se fode? 

            Sinceramente não sei se é um lance de carma, ou se no panorama gigante e complexo do cosmo eu, tal qual uma borboletinha no Brasil, fiz algo ruinzinho no passado que gerou essa tempestade de merda atrás de merda, digna de um maremoto no Japão. Espero que no fim das contas isso tudo seja só um monte de coisas não relacionadas que minha vontade de justiça doente e viciada busca incansavelmente dar alguma razão. O que não me confortaria em nada também.

            Enquanto me resolvo, continuo sofrendo o terror do cotidiano.

"Viver é sofrer."
dizia Schopenhauer.
"Viver é terrível, meu filho!"
essa quem cunhou foi minha mãe.

            Enquanto me resolvo, continuo persistindo. E enquanto houver alguma esperança de ter um dia bom, vou continuar insistindo.
            

domingo, 19 de junho de 2022

Discípulos Do Amor

    



Tenho uma certa questão com a narrativa do sozinho. O conceito mesmo. Como, por exemplo, a distinção entre solidão e sozinho. Solidão é algo que todo mundo já sentiu, já viu, já passou. É a mesma coisa do estar desolado, num grande e vasto zero, completamente distinto do um. Já o sozinho, apesar de num primeiro momento ser nada além de um predicado, é na verdade pura e severa tristeza. É desafeto, pesar. Engraçado né? Solidão é não estar acompanhado, tipo ir na padaria; mas estar sozinho é não ter ninguém pra te acompanhar, tipo não ter como convidar alguém praquele compromisso insuportável, mas inevitável.

    E justamente na inevitabilidade de se sentir muito mal ao constatar não a solidão, mas o estar sozinho, em nossas próprias vidas, que vem o desespero e o ímpeto de mudar. Assim como nos foi ensinado que estar sozinho é muito ruim e horrível, nos foi ensinado que pra acabar com a solidão a gente tem que avaliar opções, mandar umas DMs, voltar pro Tinder, aprender que é completamente proibido perguntar pras pessoas como elas estão, pois assertividade e criatividade em uma única frase são tudo que alguém precisa saber sobre você. Você tem que valer a pena uma resposta. E as pessoas tem que valer a pena as suas perguntas. 

Consegue ver a lógica por trás disso?

    Obviamente, ao lidar com o aspecto social da vida como se fosse somente mais um produto na prateleira do mercado, nossas próprias emoções e relações deixam de ser uma questão de saúde e bem-estar e se tornam uma questão de produtividade, gerenciamento de tempo, resultados, comportamentos... e não chega a ser uma surpresa quando vários de nós passamos a protelar uma conversa com o RH dos nossos próprios divertidamentes por estarmos sofrendo de um burnout cujo a causa é o medo do estigma do estar sozinho. Muita gente tem essa dependência pelo relacionamento, companhia, sexo,

Essas paradas aí

e eu também achei que tinha, afinal sou um discípulo da Mulher Melancia -- tem solteira aqui hoje? risos -- Então aproveitei um fora que tomei em abril e (ler daqui pra frente como se eu fosse um paulista com mais de 15mil seguidores no instagram) decidi me reencontrar com o meu eu, sair mais com os amigos, novos hobbies, #DatesComigoMesma ,  a porra toda, porque sei lá, todas as blogueiras falam disso, as tirinhas de amor e tals... Até Kierkegaard já dizia que um dos pré-requisitos pra se religar ao Todo é o paradoxo do amor, aprender a se amar para então conseguir amar plenamente o outro. Mas como tudo na minha vida, o gosto foi de frustração, pois fiquei sozinho é foi o máximo, cara!!! E eu sou muito bom nisso também. Tenho hobbies que nunca pensei ter, amigos novos, rituais de solidão muito bem apreciados e reencontros ainda mais divertidos, mesmo na monotonia do cotidiano. E cheguei num ponto que beirou a arrogância, sabe?? "Como assim as pessoas não sabem ser sozinhas?? Vocês por acaso são idiotas???"


    Meu problema sempre foi estar com os outros, na verdade. Acho que é comum de quem não é a coisa mais sociável do mundo lidar constantemente com a frustração do desencontro pós-se-encontrar. Mas a ficha só caiu recentemente. Partir pra próxima com leveza, independentemente da conversa ter sido legal ou não é um talento que nem todo mundo tem, mas qualquer um pode conseguir. E entender que não se deve nada a ninguém é libertador, tanto para os sozinhos quanto para os acompanhados. Um professor meu meio que disse uma vez, "ao comer uma banana, nós não comemos a banana em si, mas os significados embutidos nela". E, mesmo estando errado o que eu disse aí, faz sentido no que vou falar em seguida: a questão não é estar sozinho, mas sim os significados atrelados à estar sozinho. Quanto mais a gente se desprender dessa nojeira imposta e nos atermos ao que realmente temos em vista, mais satisfeitos estaremos com o que temos aqui. Mais felizes estaremos, e estar sozinho não será mais uma questão.


FALOU!!

domingo, 22 de maio de 2022

Você Sabia??





link para o texto em áudio: https://open.spotify.com/episode/2t5oy4xsOpjywGBNBNsiMA?si=16e98a4b68eb4f1d

- 1 -   


Ontem descobri que não estou sozinho. E foi através de uma dessas pessoas famosas da internet, que claramente não sabe que eu existo, mas que passa a mesma coisa que eu. Talvez até de forma mais intensificada, pois dessas coisas pra mulher é sempre pior. Olha só, quem diria, 

o running alone

olhando pro lado e encontrando alguém. Que loucura! Acho que por isso que ainda insisto em textos ridiculamente pessoais aqui, vai que ajuda alguém. Já recebi muitos relatos de gente que curte, que tira algo daqui. Muito hate também, mas não poderia ser diferente né? Como sou uma pessoa de convicção,

a violência é inevitável.

- 2 -

    Não quero ser um peso pros meus amigos, pra minha família, principalmente nessas coisas. Tá todo mundo passando por uma barra né, então busco guardar minhas derrotas e vitórias nesse sentido. Mas a vida tem seguido. Eu tenho mudado. Eu sofri um acidente de moto e precisei sair do mundo, e quando voltei você foi embora e isso acabou comigo. Já te disse isso. O que eu não te disse é que eu prometi mudar completamente pra melhor. Me tornar o uma outra coisa, melhor, pra poder ser digno de falar de você pros outros, tanto que quando as pessoas relembram com saudade o seu nome, minha boca se cala. Não mudei o suficiente. Você me disse que a gente ia conversar no futuro mas sei que essa conversa nunca mais vai acontecer. Toda semana eu sonho com esse reencontro, e mesmo nos meus sonhos não me permito me reencontrar contigo, pois sei que preciso mudar muito ainda. E quando meus pensamentos me traem e nos reencontramos, é exatamente como eu sonho que seja. Muita mágoa, muita raiva, muitas lágrimas, mas no fim nossas mãos estão dadas. Cê sempre soube de onde eu venho, eu sempre soube de onde cê vem. E de repente estamos voltando pra casa, no seu carro velho, eu te ouvindo cantar. Tudo que é verde sendo verde, o azul sendo azul, o amarelo sendo amarelo, o cinza sendo cinza. A gente estando onde tem que estar, tudo no seu lugar. 
    Mas então eu acordo. O vermelho da luminária tá preto, o amarelo da cadeira tá preto, meu cobertor dourado tá preto. E o que é claro tá cinza. Você não tá lá.

Nunca esteve.

E então vida que segue. Percebo que foi um ruído, e então olho para o que tenho. A manutenção da vida, a busca por propósito. Correndo sozinho. Se eu vejo tudo isso como um erro, terrível, me perco. Isso tudo é a minha verdade, e é aqui que tenho de estar.

- 3 -

    Acho que finalmente entendi como que se escreve do jeito que tenho escrito nos últimos 12 anos. Demorou né? Mas em contrapartida, devo lembrá-los que não sou o cara mais esperto. Muito pelo contrário, estou muito mais pareado com o cara mais burro, um passo à frente somente por reconhecer isto. As pessoas adoraram o Órbita, e viram todos os meus acertos. Mas ninguém viu o quão feio foi o erro que cometi ali. Não sou eu quem dá a palavra final. Nem ninguém. Não posso fazer como fiz no Órbita, onde expus os fatos, os dados, dei os atores e a história como categoria científica. É errado da minha parte achar que posso dizer como algo aconteceu. Só quero transpor o que penso e sinto sobre as coisas que vivo, me curar das dores que me afligem a alma e, se me puder ser concedida tal generosidade, destruir tudo e todos que entram em contato com isso no processo. Mas no bom sentido. Preciso destruir todos vocês porque de nada adianta cês lerem o que eu ponho aqui se cês tão lendo ai de cima. Desce aqui, sente no peito o quanto a vida é terrível, e aí cê vai sacar o que quero dizer.

FALOU!!

sábado, 2 de abril de 2022

Rid'Along




    Um homem sozinho se espanta ao comtemplar um conhecido lhe acompanhando em seu lugar de solidão.

-- Ué, você aqui?

-- Sim... Acabei voltando.

-- Mas como assim, o que houve?

-- Uai, bicho! O óbvio né?!

-- Claro, perdão... Eu não queria também ser insensível contigo.

-- Tranquilo. Eu entendo.

-- Mas assim, na moral, eu realmente achei que você demoraria pra voltar dessa vez.

-- Ah, cara. Eu também achei. Mas tu já viu The Mentalist? "It's there... And then it's gone" - foi desse jeito que acabou e eu voltei.

-- Porra, que merda, hein? E como você está com tudo isso? Mal, eu imagino.

-- Pô bicho chorei pra caralho, aquele choro de luto, manja? Tô estranho até agora, minha família, meus amigos veem isso, mas ninguém sabe ao certo o que fazer, o que perguntar. Nunca ouvi tanto "você tá bem?" quanto agora essa seman... Quer dizer, fora agosto do ano passado, né? Quando ela infelizmente se foi...

-- De fato foram tempos difíceis.

-- Ainda são.

-- Sério? Achei que tivesse finalmente chegado na Aceitação.

-- Cheguei, chegar lá cheguei. Mas aceitar é uma coisa. Sentir é outra. Aceitar é a parte mais fácil de tudo, na verdade. Ainda mais nesse tipo de partida, afinal, quando ela resolveu partir eu... Eu... Porra, meu mundo acabou naquele dia. Aprendi horrores, sobre a vida, sobre mim, sobre o amor, sobre sofrimento.

-- Cê chegou a morrer também?

-- Cara, não. Dessa vez não. Mas eu virei meu vô por um tempo, e perdi o rumo da vida, Caí num marasmo fodido, o mundo acabando, todos nós ouriços buscando resguardar os que amamos de se machucarem...

-- Ah, mas também acho que cê só morre uma vez né?? Tipo, ou tu morre ou tu vive pra sempre depois de morrer.

-- Hm.. Bicho, não sei. Acho que dá pra morrer mais vezes, sabe? Por exemplo, quando um filho morre, você morre também né? Já vi gente morrendo mais de uma vez. Mãe morreu pelo menos umas três vezes já. Mas pai, que eu me lembre, só foi uma mesmo.

-- E como é que eles estão? Tudo bem?

-- Tão bem. Acabaram de refazer a cozinha.

--Ah legal.

-- E você, bicho. Eu sei que eu sou a novidade aqui, mas e você? Como tem passado, o que tem feito?

-- Ah, cara, acho que vai ser menos sozinho agora né, com você aqui. E no mais, acho que bom, nada mudou. Aqui era do jeitinho que você tá vendo. Só o vazio e eu. O catálogo da Netflix é horrível, né, então acaba que eu acabo ficando comigo mesmo. Às vezes, toco um City Pop e danço com ela, quando ela aparece. Levíssima né.

-- É.

-- É! Então a gente acaba dançando bastante.

-- É bom quando a gente se mexe um pouco, usa o corpo pra pensar também, né?

-- Sim, e com ela é perfeito porque eu consigo espairecer totalmente. Se fosse com outra pessoa...

-- Per Deos Obsecro...

-- Per Deos Obsecro...!

Ambos riem.

-- Mas e agora, cara, que cê vai fazer da vida? Vai ficar aqui? O que houve que você veio pra cá dessa vez?

-- Bicho, não sei se fico. Eu tinha conseguido sair né? Precisava reparar o que fiz ano passado. Acabou que por algum motivo fui perdoado. Ai fui lá pra fora. Indo na calma, sem exigir demais, sendo o cara que eu queria ser. Gosto de ser. O que eu não fui pra...

-- De boa, eu sei.

-- Mas aí, bicho. Eu estiquei a mão pra ela, sabe? "Vem! Fica comigo!" - Eu disse.

-- E ela?

-- Foi embora e eu caí aqui de novo.

-- Porra, pelo menos cê sabe o porquê?

-- Sei.

-- ... E?

--... -- Após um certo tempo. -- Deixa quieto, bicho.

-- Foi ruim assim?

-- Foi.

-- Mas, cara, não entendo. Eu te conheço, ent...

-- Então cê sabe o que eu perdi.

-- Tá. É verdade.

-- Uma vida inteira morreu ali, bicho. Não tem como não sentir isso.

-- Não tenho nem o que dizer, cara.

-- Tudo bem. Só de cê vir conversar comigo já me ajudou horrores. Obrigado.

-- Tamo junto!

--  Também, pra isso "não tem jeito", né?


Ambos riem novamente.

terça-feira, 1 de março de 2022

O Gênio Do Ska


     


Nessa ******, ****** não nos busca contar uma história específica como em outras *******, como ****** e ******, em que temos personagens principais, alguma espécie de narrativa -- ainda que vaga -- que obedece a costumeira estrutura dos 3 atos. Em ***, ******* escreve um tipo de sermão para uma mulher, aparentemente. Ela parece estar passando por problemas amorosos, mas não sabemos ao certo se é com seu namorado ou só alguém que ela gosta. De acordo com a *****, a moça para quem é dirigida a bronca está completamente imersa numa mentalidade típica de protagonistas das comédias românticas adolescentes, tendo toda a sua atenção e esforços voltados para um amor, mas não um amor saudável, real. Ao que tudo indica, sua angústia provém do sentimento desconexo próprio da dialética entre o que ela tem -- que, segundo a ******, é simples e pura solidão -- e o que ela acha que devia ter:, uma paixão ardente e eletrizante de cinema. A ****** faz essa relação entre realidade e filmes constantemente para deixar claro a dicotomia exposta acima e segue, quase sempre, num tom de deboche, tratando, de certa forma, a garota como uma completa idiota.

    Na primeira estrofe, temos o narrador -- no caso, o cantor ******* ***** -- começando seu sermão, em tom de chacota, perguntando se ela não entendeu que a vida é diferente do que se passa na TV, se ela não sabia que na vida ninguém vai magicamente socorrê-la em um momento de sufoco emocional como este que ela está passando.

    Ele segue satirizando a pessoa para quem ele direciona o sermão, ao pintar a imagem desta mocinha absorta na vista da própria janela, alheia à percepção dos próprios erros cometidos enquanto sofre copiosamente no próprio drama romântico a ponto de parecer que vai morrer disso.

    O refrão, assim como as duas primeiras estrofes, é bem simples mas comunica uma mensagem forte. O narrador retoricamente questiona se faz diferença o salvador da menina aparecer, como se dizendo que não importa ela conseguir o que quer ou não, pois isso não vai acabar com o problema. Parafraseando: "O problema não é o que aconteceu ou acontecer com você. Mas você. E só você. É só isso que tenho a dizer."

    As próximas duas estrofes seguem com a mesma mensagem que seguiam as duas primeiras. A terceira estrofe, quase um reflexo perfeito da primeira, segue com a mesma pergunta, mas ressalta uma tragédia maior ao pontuar que não sobrou nenhum sonho para a mocinha e que todos, menos ela, percebem seu estado delirante. A quarta estrofe segue um reflexo exato da segunda estrofe, assim como o refrão, que se repete idêntico.

    Como vocês devem ter notado, o título da ****** -- *** -- não tem nada a ver com  conteúdo da ***** ou mensagem desta. Embora não explícito na *******, é razoável supor que o nome vem do estilo musical no qual a ****** pode ser enquadrado. Ainda que tenha clara referência em bandas como The Police, segue um pouco atrás, cronologicamente, das terceira e pós-terceira onda do ***, dado ao ano de seu lançamento, 6 anos antes do grande boom destas ondas nos anos 1990.

domingo, 14 de novembro de 2021

Bem Calminho E Desesperador


 


Estou na espera de algo acontecer.

Paciência é uma virtude e aquele que à tem desfruta paz em sua vida. As coisas demoram tempo para acontecer, as pessoas precisam de tempo para mudar e as próprias mudanças precisam de tempo para ficar. O passo do mundo é muito rápido e nisso acabamos por não notar o verde das árvores, a permanência do que lá já está e uma mudança de perspectiva se mostra necessária para a reconquista da paciência, visto que o tempo, por sua vez, é tangido pela percepção. Estou na espera de que algo vai acontecer, mas enquanto ele não acontece, é na paciência que encontro a paz para apreciar a permanência das coisas antes do ponto de mudança. E é nela também que encontro abrigo quando mudar é o único caminho.


Mas eu tenho sede.


Eu tenho sede de tudo. E eu to morrendo de sede. Na pegada Earn "Eu preciso comer hoje, não em setembro", sabe? Então essas entidades, a paciência -- expressão da minha consciência e mesura -- e a sede -- o Ímpeto por aquilo que vai me saciar -- se chocam e nesse constante embate nascem não só o desespero frente a insoludibilidade do combate -- este fruto da sede -- mas também é criada a calma frente a constatação de que a prudência costuma ser o melhor caminho -- esta, por sua vez, fruto da paciência.


Obviamente há de se pensar que, até por nossas experiências pessoais, eventualmente uma vence sobre a outra numa batalha para que eventualmente perca na próxima. É somente humano, natural. É assim que encontramos o equilíbrio em nossas vidas, aprendendo com as vitórias do desespero e da calma. Mas então lhes trago uma nova situação, um novo equilíbrio. Paciência e Sede não lutam mais. Seus frutos, Desespero e Calma largam suas armas e todos passam a somente existir no mesmo espaço, em paz. Não existe mais conflito, não existe mais o embate, e todas as forças opostas dividem o espaço do seu coração, eliminando assim qualquer expertise e experiência que possam te ajudar a se resolver. E tudo que te sobra é um pouquinho de bom senso e muita improvisação daqui pra frente. Todos juntos tomando um brunch no âmago da sua alma enquanto você segue o jogo, no ponto de surtar e perder tudo mas por algum motivo completamente em paz consigo mesmo, fazendo com que o mundo todo se torne exatamente assim:

bem calminho e desesperador.

Falou!

sábado, 30 de outubro de 2021

Você Acredita em Mágica?


    


 Todos nós acreditamos em algo. Deuses, o Axé, o universo -- todos estes e muitos outros são objetos de nossas súplicas e graça. Não sou um cara muito religioso ou espirituoso, mais pela ignorância do que saber com certeza de que sou ou não sou algo. Mas não me iludo, não existe não crer. Todos nós cremos em algo e vivemos em prol dessa crença.

Uma das coisas em que acredito é em magia.

    Ok, podem rir. Até porque com certeza estamos falando de coisas diferentes. Quando falo em mágica, na cabeça de todos nós, minha inclusive, vem Harry Potter, vem Gandalf, ou sei lá o que é mágico na cabeça das pessoas hoje em dia. Quando digo que acredito em magia, tomo um conceito muito mais antigo e até mesmo broxante pra quem se encanta com a expectativa de se aprender uma nova teoria da magia. Sou fã de um velho barbudo, morador da Jerusalém do condado de Northamptonshire, Northampton. Ele mesmo, O Escritor Original:

Alan Moore.

    Alan Moore, ao contrário de mim, acredita na e pratica a magia. Fez disso seu ofício e é um dos magos mais poderosos da atualidade. Como ele relata em seu The Mindscape of Alan Moore: "Magia, em sua forma primordial, era de costume referenciada como A arte. Acredito que isso é completamente literal; que magia é arte e que arte, não importa a forma que tome, é magia. Arte é, como a magia, a ciência de manipular símbolos, palavras e imagens para alcançar mudanças de percepção, de consciência." Ele segue explicando: "Um grimório é só um jeito chique de falar gramática. Na verdade, conjurar um feitiço é somente manipular palavras para alterar a consciência das pessoas. Um artista, ou escritor, é a coisa mais próxima que temos no mundo contemporâneo de um xamã."

    O que Moore quer dizer com essa ideia de magia é que as palavras tem poder. E me diz se isso não faz o maior sentido? Um discurso que te inspira a seguir em frente com muito mais ânimo nada mais é do que um encantamento de força de vontade. Essa caralhada de fake news nada mais é do que uma conjuração de área para prender o povo numa ilusão. Palavras carregam muito mais poder do que podemos imaginar a princípio.

E é por isso que eu levo as palavras muito a sério.

    Pode ser alguma disfunção psicossocial também, nunca saberemos sem investigar. Mas desde que passei a acreditar em magia, minha relação com a palavra dita mudou completamente. Quando digo uma coisa, não importa o que foi dito, pra mim, em um nível espiritual, uma magia foi conjurada. E tenho vivido assim desde então. Infelizmente ou não, acabo transferindo isso para as pessoas ao meu redor também. Palavras são ditas à alguém. Com quem você tá falando? O que você tá dizendo? Palavras são ditas com intenção. Qual será a intenção, então? Convido ao leitor que reflita: você pensa nas palavras que você diz? Nas magias que constantemente conjura? Ou você está somente soltando bolas de fogo a torto e a direito como se a palavra não fosse um artifício feito para ser lido? Como se um feitiço não fosse uma ação que parte do mago para seu alvo? Palavras são poderosíssimas e são capazes de mudar o mundo.

São capazes de mudar você.

        Palavras são magias, encantamentos, feitiços que mudam e distorcem o que as pessoas percebem, pensam, esperam. Desde então tenho levado palavras muito a sério. E é claro que não é sempre que sigo isso. Mas sigo cada vez mais. E nessa crença, acho o propósito que busco para continuar em frente. Realmente não estava esperando que este texto fosse uma chamada para a consciência, para o momento presente. Mas agora ele meio que é, né? Eu mesmo queria que este texto fosse uma bola de fogo, como o ser de vingança que meu ímpeto gosta de ser. Mas da mesma forma que existem palavras que precisam ser ditas

Há também feitiços que não valem a pena encantar.


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Mais uma vez agradeço por terem lido até aqui por favor comentem, se quiserem. FALOU!