Um homem sozinho se espanta ao comtemplar um conhecido lhe acompanhando em seu lugar de solidão.
-- Ué, você aqui?
-- Sim... Acabei voltando.
-- Mas como assim, o que houve?
-- Uai, bicho! O óbvio né?!
-- Claro, perdão... Eu não queria também ser insensível contigo.
-- Tranquilo. Eu entendo.
-- Mas assim, na moral, eu realmente achei que você demoraria pra voltar dessa vez.
-- Ah, cara. Eu também achei. Mas tu já viu The Mentalist? "It's there... And then it's gone" - foi desse jeito que acabou e eu voltei.
-- Porra, que merda, hein? E como você está com tudo isso? Mal, eu imagino.
-- Pô bicho chorei pra caralho, aquele choro de luto, manja? Tô estranho até agora, minha família, meus amigos veem isso, mas ninguém sabe ao certo o que fazer, o que perguntar. Nunca ouvi tanto "você tá bem?" quanto agora essa seman... Quer dizer, fora agosto do ano passado, né? Quando ela infelizmente se foi...
-- De fato foram tempos difíceis.
-- Ainda são.
-- Sério? Achei que tivesse finalmente chegado na Aceitação.
-- Cheguei, chegar lá cheguei. Mas aceitar é uma coisa. Sentir é outra. Aceitar é a parte mais fácil de tudo, na verdade. Ainda mais nesse tipo de partida, afinal, quando ela resolveu partir eu... Eu... Porra, meu mundo acabou naquele dia. Aprendi horrores, sobre a vida, sobre mim, sobre o amor, sobre sofrimento.
-- Cê chegou a morrer também?
-- Cara, não. Dessa vez não. Mas eu virei meu vô por um tempo, e perdi o rumo da vida, Caí num marasmo fodido, o mundo acabando, todos nós ouriços buscando resguardar os que amamos de se machucarem...
-- Ah, mas também acho que cê só morre uma vez né?? Tipo, ou tu morre ou tu vive pra sempre depois de morrer.
-- Hm.. Bicho, não sei. Acho que dá pra morrer mais vezes, sabe? Por exemplo, quando um filho morre, você morre também né? Já vi gente morrendo mais de uma vez. Mãe morreu pelo menos umas três vezes já. Mas pai, que eu me lembre, só foi uma mesmo.
-- E como é que eles estão? Tudo bem?
-- Tão bem. Acabaram de refazer a cozinha.
--Ah legal.
-- E você, bicho. Eu sei que eu sou a novidade aqui, mas e você? Como tem passado, o que tem feito?
-- Ah, cara, acho que vai ser menos sozinho agora né, com você aqui. E no mais, acho que bom, nada mudou. Aqui era do jeitinho que você tá vendo. Só o vazio e eu. O catálogo da Netflix é horrível, né, então acaba que eu acabo ficando comigo mesmo. Às vezes, toco um City Pop e danço com ela, quando ela aparece. Levíssima né.
-- É.
-- É! Então a gente acaba dançando bastante.
-- É bom quando a gente se mexe um pouco, usa o corpo pra pensar também, né?
-- Sim, e com ela é perfeito porque eu consigo espairecer totalmente. Se fosse com outra pessoa...
-- Per Deos Obsecro...
-- Per Deos Obsecro...!
Ambos riem.
-- Mas e agora, cara, que cê vai fazer da vida? Vai ficar aqui? O que houve que você veio pra cá dessa vez?
-- Bicho, não sei se fico. Eu tinha conseguido sair né? Precisava reparar o que fiz ano passado. Acabou que por algum motivo fui perdoado. Ai fui lá pra fora. Indo na calma, sem exigir demais, sendo o cara que eu queria ser. Gosto de ser. O que eu não fui pra...
-- De boa, eu sei.
-- Mas aí, bicho. Eu estiquei a mão pra ela, sabe? "Vem! Fica comigo!" - Eu disse.
-- E ela?
-- Foi embora e eu caí aqui de novo.
-- Porra, pelo menos cê sabe o porquê?
-- Sei.
-- ... E?
--... -- Após um certo tempo. -- Deixa quieto, bicho.
-- Foi ruim assim?
-- Foi.
-- Mas, cara, não entendo. Eu te conheço, ent...
-- Então cê sabe o que eu perdi.
-- Tá. É verdade.
-- Uma vida inteira morreu ali, bicho. Não tem como não sentir isso.
-- Não tenho nem o que dizer, cara.
-- Tudo bem. Só de cê vir conversar comigo já me ajudou horrores. Obrigado.
-- Tamo junto!
-- Também, pra isso "não tem jeito", né?
Ambos riem novamente.
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