Você construirá seus sonhos somente para vê-los destruídos por outro alguém.
Estantes sempre estiveram presentes na minha vida e sempre as olhei com admiração. A primeira foi a da minha própria casa, lembro dos Doze Contos Peregrinos do Gabo, os livros da faculdade da minha mãe, os chatos e os maneiros que tenho até hoje: Platão, Tomás de Aquino, Adam Smith e Kant -- o melhor deles. Nessa estante, que englobava a também um espaço pra fotos, taças, a TV de tubo 29", o estéreo e algumas gavetas, podia me entreter de alguma forma nos saudosos anos em que crianças pobres não sabiam direito o que era internet. Eu sinto falta dessas estantes sabe, elas escondem tesouros. Os hacks hoje em dia são tão broxantes, né? Fico bolado de que com muita dificuldade um neto será capaz de roubar Gabriela, Cravo e Canela da casa da vó. Só pra descobrir que na verdade ele foi roubado de uma faculdade de prestígio da cidade.
Outras estantes que sempre mearcaram muito foram as das bibliotecas. Aproveitei o suficiente delas, eu acho. Mas queria ter aproveitado mais. Principalmente a da última escola particular em que estudei, a biblioteca era tão grande e clara. Gostaria de ter lido mais livros infanto-juvenis de amor. A biblioteca pública que eu frequentava também me apresentou vários outores como Montesquieu, Hemingway, e o melhor de todos: Jorge Amado, que despretensiosamente em seus livros se utilizou da ficção científica pra transportar o leitor ao passado.
Por muitos anos nunca aspirei em ter minha própria estante. Duas prateleiras, talvez. Sempre sonhei raso. Raso e covardemente. Mas enfim tive uma. Uma grande, recheada de livros, gibis e mangás (meus favoritos). Também meus CDs. A minha estante reunia tudo que era de mais sagrado pra mim. E vi toda a sua grandeza cair com o próprio peso de seu corpo. Me reorganizei e adaptei. A minha estante reune tudo que é de mais precioso pra mim. Meus mangás, meus fones clássicos, meus iPods da adolescência. Presentes queridos de alunos, familiares e amigos, relíquias de artistas que admiro.
Mas assim como você, eu construí meu sonho somente para vê-lo destruído por outro alguém. Me admira a facilidade em que tudo pode mudar. A morte é inexorável mesmo, né? Mas a gente trabalha com o que tem e se o que tá tendo é morte e destruição é com isso que iremos lidar. Reorganizar e adaptar. Estilo Nara. Não existe raiva, muito menos retaliação. Somente a claridade do que há e é. Sem ruído, sem noções de justiça que só fazem sentido na minha cabeça. É tempo de reconstrução pois Deus em Seu resplendor e glória já me reserva o próximo anaquilador de sonhos. A próxima será ainda maior, ainda melhor e mais cheia. E serei o vigia de sua opulência até que enfim possa testemunhar sua ruína.